quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Figurações…


Analisar agora todo o processo criativo à volta do que foi escrever, encenar e representar este texto, parece-me excessivo e quase inadequado. Continuo a ver-me mais como um actor do que como um autor ou encenador. Alguém que pratica uma escrita e encena os seus textos sempre na perspectiva da representação. Não sou capaz de escrever e encenar de outra maneira.
Escrevi uma história que me apeteceu contar a todos de forma quase visceral. Quis representar um drama comum de gente comum. Procurei encenar um certo Portugal que vive de um “faz de conta” cada vez mais idiota e que ilude quem a ele adere. Sim, quis falar dos tantos, demasiados figurantes que vivem em função de uma Hollywood dos “pequeninos”, que querem fazer deste jardim à beira-mar plantado. Querem, mas não conseguem! Felizmente…
Ousei revelar o que de podre vai no nosso “reino da Dinamarca” repleto de falsas estrelas que se colocam no fio da navalha, por dá cá aquela palha, e acabam esquartejados por um star system à portuguesa, que tantas vezes, de tão presunçoso que é, cai no mais absoluto ridículo.
Não quis ir, nem fui atrás de uma moral que, garanto-vos, não pautou nem o que escrevi nem o que encenei. Isso fica para vocês: o público. Esse é o papel que vos cabe num acto performativo.
Já lá vão alguns anos desde que comecei a fingir que era “outro” em cena. No entanto, poucas vezes, como agora, tive tanto prazer em fingir que a minha vida é outra. Muito poucas vezes gostei de escrever para um colega e viver com ele o prazer da representação, dirigindo-o num contexto que ultrapassou a inevitável dialéctica que se estabelece entre o actor e o encenador. Foi o que aconteceu com o João Didelet! Em cada frase escrita e depois reescrita, em cada ensaio conseguido e depois anulado por um melhor, em cada fuga para a frente com o consequente retrocesso, descobri, com ele, o prazer de transpor uma ideia de escrita teatral para o único e verdadeiro lugar onde o teatro acontece: o palco.
Não sei porquê, mas há sempre um ou dois loucos que gostam do que eu escrevo e apostam em mim para encenar e até editar a minha escrita. Ao Manuel Coelho, reconheço essa loucura e a ele estou grato por me ter aberto as portas de uma casa, onde ensaiamos em tudo o que era “canto”, para desespero de uns e divertimento de outros sempre que davam connosco à procura de um espaço possível para ensaiar. Se não fosse ele, o Centro Cultural da Malaposta, e a confiança que a vereação da cultura da câmara de Lagoa, nossa preciosa co-produtora, depositou em mim e no João Didelet, hoje não estariam a ler estas palavras.
É claro que nada disto, que hoje vão ver, teria sido possível sem uma equipa de criativos cujas cumplicidades estão na génese deste projecto. Termino, pois, da melhor maneira, falando “deles”, dos meus parceiros, alguns habituais e outros que acreditaram em mim pela primeira vez.
Do Rui Soares Esteves que está lá sempre que é preciso, incondicionalmente.
Do João Agante que edita imagens como ninguém e do Gonçalo Silva que “iluminou” essas imagens como eu nunca pensei ser possível.
Da Isabel Campelo y sus muchachos e muchacha. A musicalidade que suporta tudo o que eu escrevi só acontece por força do talento das notas deles.
Da minha amiga de longa data, a Virgínia Esteves, uma verdadeira mulher do Norte, que larga tudo para “iluminar” o que eu invento nos palcos por onde passo.
Do incontornável Carlos Gomes que corrige o meu caos com paciência de santo, e do Bruno Batista pela disponibilidade e auxilio na fixação de uma encenação que me transtornou desde o início.
Da Natércia Costa que reencontrei apôs vinte anos do conservatório e “adereçou” as ideias por mim inventadas.
Do André T, que numa longa madrugada captou e misturou a banda sonora, conduzindo-me, através da sua sensatez, na audição de sons que estavam pensados mas não vividos.
Do Joaquim Paulo Nogueira, nosso anjo-da-guarda, que deu a conhecer o nosso esforço a gregos e troianos, agradando a uns em função do desagrado de outros.
Do grande Henrique Garcia que imprime como ninguém e que é um dos grandes acontecimentos deste espectáculo.
E, finalmente, do João Didelet que sempre confiou em mim e que se entregou como, eu acho, poucos actores ou actrizes são capazes de fazer. Este espectáculo é ele! Foi escrito e encenado para ele.
Não posso terminar este texto sem referir a preciosa colaboração da Direcção Nacional da Polícia de Segurança Pública e da Equipa de Negociadores do Grupo de Operações Especiais da Unidade Especial de Polícia. Sem a ajuda de todos eles, eu nunca teria percebido a essência do que escrevi. Foi com eles que inventei a trama e dei vida às personagens de forma coerente e fundamentada.
Gostava de dedicar tudo o que foi feito nestes longos meses à minha família, a Marta e a Salomé, que tiveram que esperar tanto por mim. Eu acho que a espera valeu a pena!
Decidam vocês…
Obrigado.
Marcantonio Del Carlo