quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Estradas de luz…


A vida está cheia de surpresas e a possibilidade de fazer música original para esta peça foi mais uma, pois a ideia inicial não era essa. O convite deixou-me ao mesmo tempo apreensiva e entusiasmada. E foi no meio desta ambivalência de sentimentos que, com a restante equipa indigitada- a Margarida Campelo e o André Santos- as sessões de trabalho começaram lá em casa, com a sala transformada em sala de ensaios. Estávamos em Janeiro.
Começou, então, o processo criativo. Havia que ler a peça, entender os personagens, sentir de que forma a música poderia funcionar dentro daquele contexto dramático. Para além da leitura individual que cada um de nós fez do texto, sentimos necessidade de ouvir o autor e encenador falar, dar-nos informações sobre quem eram aquelas duas personagens, quais os seus sentimentos mais marcantes, as suas agendas escondidas, o sub-texto e aquilo que a música deveria transmitir. “Uma melodia muito bonita, mas ao mesmo tempo dramática” como tema para o Hilário, uma canção de embalar, e outro tema para aquilo que o Marco designava como “as estradas de luz” foi o nosso primeiro briefing .
A tal “melodia muito bonita e dramática” - a que chamámos “Hilário`s theme 1”- foi a primeira a aparecer. Ela andou a passear na minha cabeça durante a semana e na nossa primeira sessão de trabalho conseguimos construí-la e completá-la, com a brilhante frase final do André. A ideia era criar um ambiente musical minimalista mas denso. Era o que fazia sentido, como contraponto do excesso emocional e verbal da personagem de Hilário. Um tema que, com poucas notas, sublinhasse a essência daquele homem- tristeza, solidão, desespero, mas ao mesmo tempo beleza, profundidade, ingenuidade.
Para nós,estava encontrado o caminho. Na segunda sessão de trabalho, surgiu a canção de embalar; na terceira, a Margarida propõe o tema que hoje é o “Hilário`s theme 2- final”, mas que na altura considerámos poder vir a ser outra possibilidade de canção de embalar. Faltavam as “estradas de luz”...
Decidimos, mesmo assim, fazer uma sessão demonstrativa do trabalho já realizado. E as reacções, tanto do Marco como do João, foram muito positivas- emotivas, mesmo. Com a passagem do tema da Margarida para o final da peça, por sugestão do encenador, pela sua força dramática, o nosso caminho era também o deles e estava certo!!
Menos é mais- e a recordação de bandas sonoras várias- sobretudo de filmes- dizia-nos que a identificação com uma obra vem dum tema, duma melodia. Já tínhamos três. Ficámos por aí. E falou-se da possibilidade de incluír um contrabaixista, aproveitando a disponibilidade mostrada pelo António Quintino. Entrava, assim mais um elemento para a equipa.
Gravámos uma maquete com dezenas de possibilidades que os três temas nos ofereciam- uma vez mais seguindo as indicações do encenador para as cenas que sabia querer com música- com a instrumentação disponível e a

criatividade de cada um a funcionar. E desse “corpus” saíu aquilo que,
gravado de forma “sui-generis” no Teatro da Malaposta num estúdio improvisado no auditório, com a ajuda e o suporte técnico do André, o “outro” André T, o tal que nos foi apresentado como técnico de som do Teatro. Acabou por ser o nosso anjo da guarda. A pureza que conseguimos, devemo-la a ele. Uma tarde inesquecível, onde a juntar aos acordes dos instrumentos se ouvia a carpintaria a trabalhar num novo cenário, ou os espectadores do cinema a conversar durante o intervalo. Um pano de fundo repleto de vida, a contrastar com as emoções que a nossa música pretendia sublinhar.
A finalizar, a menção ao grupo de músicos de eleição que, estou certa, virá a dar que falar: André Santos, Margarida Campelo, António Quintino, meus companheiros nesta viagem. Ao João, de quem partiu a ideia de nos lançar o desafio E, last but not least, ao Marco, cujo entusiasmo e acompanhamento constante do processo foram fundamentais, tendo-se tornado no nosso maior fan. A todos o meu agradecimento pessoal, pois também eu encontrei um caminho (seria esta uma das “estradas de luz” ?)

Isabel Campelo