Foi com desconfiança que no final de 2008 li um e-mail enviado pelo Marcantonio, pedindo informação sobre a actividade dos negociadores da Policia de Segurança Pública (PSP), para enriquecer uma peça de teatro em que estava a trabalhar. No entanto decidi conceder-lhe o benefício da dúvida e foi combinado um encontro na sede da Unidade Especial de Polícia (UEP) da PSP, em Belas, para melhor perceber a intenção e abrangência da solicitação, uma vez que se trata de uma matéria sujeita a alguma reserva. Foi à boa maneira portuguesa – à mesa – que o Marcantonio descreveu o seu projecto para a peça de teatro. Confesso que me agradou constatar o entusiasmo e vivacidade contagiantes com que falou do projecto. Era igualmente evidente o seu empenho em fazer um trabalho rigoroso e realista e assim evitar cometer falhas básicas que caracterizam os que discorrem sobre assuntos que não dominam nem se preocuparam em dominar.
Após os contactos serem formalmente autorizados pela Direcção Nacional da PSP ocorreram diversos contactos com os negociadores da Equipa Central de Negociação da subunidade operacional Grupo de Operações Especiais da UEP/PSP. Confesso que os negociadores foram previamente sensibilizados para manterem a necessária reserva sobre casos concretos, especialmente os que ainda se encontrassem em fase de inquérito ou julgamento, caso as conversas “escorregassem” nessa direcção. Tal sensibilização revelou-se desnecessária pois o Marcantonio respeitou o acordo de cavalheiros fixado no primeiro contacto.
Os negociadores da Equipa Central de Negociação da PSP são todos elementos policiais com formação técnica específica. A formação inicialmente foi obtida junto da Metropolitan Police of London e do Grupo Especial de Operaciones do Cuerpo Nacional de Polícia de Espanha, sendo agora ministrada autonomamente pela própria equipa, fruto da experiência entretanto adquirida. O negociador policial actua no âmbito da resolução de incidentes táctico-policiais (ITP), que se caracterizam por serem ocorrências inopinadas e de carácter reactivo, configurando situações de flagrante delito que exigem uma resposta policial imediata. Estas ocorrências envolvem, pela sua natureza e características, a mobilização de recursos humanos e materiais especializados que ultrapassam os normalmente utilizados e o emprego de tácticas específicas não usadas nas rotinas policiais de segurança interna. Exemplos clássicos de ITP são os sequestros e as tomadas de reféns. Nestas situações limite o negociador é o primeiro actor a entrar em cena, com o objectivo de estabilizar a situação e baixar os níveis de ansiedade de todos os intervenientes. Exige-se portanto ao negociador, entre outros atributos, perspicácia, calma, capacidade de estabelecer empatia e que seja um bom comunicador. No entanto um negociador é, na sua essência, um técnico de negociação que segue procedimentos operacionais básicos previamente definidos. É uma peça de um dispositivo policial que tem como objectivo principal resolver uma situação crítica potencialmente perigosa para a vida ou integridade física de alguém. A intenção das forças de segurança é obviamente resolver as ocorrências sem ter que recorrer à força e por isso a resolução dos ITP pela via negocial é sempre o objectivo primeiro. Por isso recai sobre os negociadores uma enorme responsabilidade e a sua acção é objecto da atenção de múltiplos intervenientes.
É esta matéria sensível que o Marcantonio pretende abordar na sua peça, de uma forma certamente romanceada, mas igualmente profissional e rigorosa. A postura do Marcantonio inspirou-nos tanta confiança que chegamos a emprestar-lhe o casaco normalmente usado pelos negociadores, para ser usado na peça.
Termino desejando ao Marcantonio o merecido sucesso para a peça que, estou seguro, se constituirá como um bom exemplo da possibilidade de interacção entre a ficção artística e a realidade policial, quando ambas se respeitam mutuamente.
Intendente Manuel Augusto Magina Silva
Comandante da Unidade Especial da PSP
